Saturday, March 24, 2007

Fim do inferno astral 2

Acho que comecei o post ontem, dizendo que não queria contar vantagem antes do tempo. Ainda acho que não contei, mas a tarde nos reservou o tipo de irritação que durante um mês, todos os dias, minou nosso bom humor. Agora, que não acontece há vários dias, não foi tão chato: saímos para ir na casa de um amigo e achamos o carro sem os pisca-piscas dianteiros, foram furtados pela segunda vez, aqui mesmo em frente de casa. Já na casa do nosso amigo, caiu mó pé d'água. Quando chegamos em casa, descobrimos que a janela do quarto de visitas continua vazando, ou seja, quando a chuva bate, a janela deixa a água entrar e forma-se uma pequena poça no escritório. Vamos ter de reclamar, mais uma vez, com o Renan, o brasileiro que contratamos para fazer as obras na nossa casa.

Quanto ao furto dos piscas, trata-se de uma verdadeira indústria aqui em Luanda. Embora seja relativamente pequenos os furtos dos carros em si, peças como espelhos retrovisores e faróis (incluindo os piscas) são subtraídos a torto e a direito. Os produtos roubados podem ser encontrados facilmente à venda nos mercados populares da cidade, principalmente no lendário Roque Santeiro, que dizem ser o maior da África. Um amigo, esta semana mesmo, passou pela seguinte situação: tem um carro americano, raro por estas bandas, e teve os espelhos retrovisores furtados. Pediu a um funcionário angolano de sua empresa que comprasse substitutos que acabaram sendo os mesmos que lhe haviam sido tirados de seu carro. Como ele descobriu? Fui eu que observei que os retrovisores "novos" tinham o número do chassis do carro gravado no espelho. Daí foi só comparar com a gravação no próprio chassis. É mole? E o meu amigo ainda pagou um dinheirão, dinheirão mesmo, pelos retrovisores...

Daí há toda uma indústria na cidade de aplicação de pedacinhos de metal nos carros que dificultam a retirada das peças pelos larápios. Essas peças são fixadas com rebites na carroceria do carro. Uma alternativa é entupir de massa, silicone por exemplo, as ranhuras dos parafusos que prendem as peças, de modo que não possam ser facilmente desenroscadas. Na segunda noite em que dormiu na rua, em frente ao nosso prédio, nosso carro perdeu os piscas dianteiros. Daí pedi ao Cláudio, nosso motorista, que submetesse nosso carro a esse procedimento de luandização, mas não funcionou, ao menos em parte, porque os piscas se foram novamente. Detalhe: o carro estava parado há menos de um quarteirão do Ministério do Interior, responsável pelo policiamento no país. Mas se, no Rio, até agência bancária dentro do Palácio Guanabara já foi assaltada, né?

Bom, mas retornando ao post de ontem, terminei contando dos danos que nossas coisas sofreram durante a mudança. Isso foi chato, mas o que infernizou mesmo a nossa vida, principalmente a da Andreia, foram as obras. Se obra já é um negócio complicado no Brasil, imaginem em Angola. Os operários faltavam direto, chegavam atrasados, saíam cedo. Quando vinham, vinham sem material nem ferramentas. A Andreia ficava dias inteiros esperando, sem poder sair de casa, alguém aparecer. Tudo era desculpa: o trânsito, a chuva, as outras obras e, o mais tragicômico, os óbitos. Ah, fora que duas vezes "fiscais" apareceram para embargar a obra. Sim, mas os óbitos: aqui a morte de um ente querido tem de ser festejada com muita comilança, quanto mais querida a pessoa mais se come. A morte de qualquer parente de até quinto grau vira desculpa para a pessoa não aparecer no trabalho por uns cinco dias, no mínimo. É um inferno.

E a qualidade dos acabamentos daqui é uma meeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeerrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrda, um cocô bem fedorento. Fruto da péssima qualidade da mão de obra local. Os chineses, que constróem muito por aqui, trazem todos os operários de casa. Um dos armários a gente mandou fazer pra guardar a nossa tralha ficou tão ruim q a gente mandou desfazer e comprou um armário industrializado e enfiou no nicho.

Mas já umas duas semanas que não temos grandes tarefas de comprar material, esperar operário, arrumar a casa, tomar decisões difíceis e tal. A nossa vida começou a entrar numa certa rotina. Eu comecei a nadar no Clube Náutico, que fica no comecinho da Ilha, a uns 10 minutos de carro daqui. Eles têm uma piscina de 25 lá. Comecei indo de manhã cedo, uma delícia, ninguém na piscina. Evidentemente, alguma coisa tinha q estragar o meu prazer: no fim de semana seguinte, morreu afogado um garoto porque não havia nenhum guarda-vidas presente no clube. Então a piscina passou a ficar fechada a não ser nos horários em que há salva-vidas, o q, aliás, é bem prudente. Mas pra mim complicou, só posso nadar agora depois do trabalho. Às vezes, quando vou pro clube e a piscina está fechada, acabo indo nadar na praia mesmo, mas é mais demorado e eu sinto que não faço tanto exercício, é uma natação mais a passeio mesmo.

Pra concluir simbolicamente o nosso processo de instalação, ante-ontem, sexta-feira, o embaixador e o conselheiro vieram almoçar aqui em casa. O embaixador nos deu de presente um tapete de palha (ráfia, acho). Super legal. A Andreia caprichou na bóia. Foi comprar peixe na Ilha, direto dos pescadores, com o cozinheiro do embaixador. Fez o peixe assado. Pra acompanhar arroz, beringela, ervilhas frescas e, o toque angolano, quissaca com ginguba (folha de aipim amassada com farinha de amendoim). Deu certo.

Espero que, de agora em diante, com um lugar confortável pra se esconder, a gente possa aproveitar mais o q o país tiver de bom pra oferecer. Um bom exemplo disso é o por-do-sol da nossa casa:

2 comments:

Ricardo said...

Não sei o porquê, mas seu inferno astral me deu ainda mais vontade de ser diplomata. Ótimo post, e o pôr-do-sol é mesmo fantástico e é mais uma coisa em que Luanda se parece com o Rio, não?
Se você me permite, queria saber por que você escolheu (escolheu?) ir pra Angola. Le goût de l'aventure?

Abraços.

Ricardo said...

Não é Luanda que se parece com o Rio, lembrei agora. Mas anyways...